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sábado, 24 de janeiro de 2004

Muitas reuniões, nenhuma eficácia
O patrão queria os seus vendedores disponíveis para as quase diárias longas e inconsequentes palestras. Armado de estatísticas, números e indicadores as sessões eram um suplício. Não admitia faltas às sessões que duravam entre seis a doze horas. A disponibilidade era inquestionável e o argumento, verdadeiro, de alguém que tivesse de visitar impreterivelmente um cliente não colhia. Isso era para ele um pretexto para faltar às celebrações em monólogo. Os números iam caindo na razão directa da frequência das missas negras. Uma tortura para quem, sem custo, adivinhava o fim trágico da comédia: as vendas acabaram de vez. Saíram todos os daquela equipa. Formou-se outra que continua a reunir. O patrão ainda hoje está profundamente convencido de que foi traído pelos primeiros porque sempre se esforçou para lhes ensinar os caminhos da acção. Hoje não haverá clientes, mas há estrutura, organização, disciplina. Veio-me à memória um Presidente do Conselho que por doença grave estava demitido de funções havida anos mas continuava a reunir com os "seus ministros", convencido de que ainda mandava.

domingo, 18 de janeiro de 2004

Andar de cabeça baixa
O povo anda cabisbaixo, triste, de olhos no chão. Comentam-se os porquês, atribuem-se culpas, mas ninguém avança as razões de tamanha crise nacional só superada – talvez – pela de 1580, quando os Espanhóis entraram pela primeira vez por aqui a dentro – a segunda está a ser agora. Quero deixar aqui o meu humilde, genuíno e honesto contributo para explicar esta questão nacional, a das pessoas andarem tão curvas sob o jugo de causa desconhecida. A razão não é o Bibi e os tipos que tinha na agenda. Também não se deve só à economia e ao desempenho da produção ser abaixo do esperado. A razão é prosaica, tem a ver com, pasme-se, com o aumento desmesurado do número de cães nos grandes centros urbanos. Não? Então aqui vai. Não sou mais do que os outros, também ando acabrunhado, olhos no chão, andar cauteloso, evitando o pior. Há dias disse para mim mesmo, isto tem de mudar, tu tens de mudar. Levanta a espinha, ergue a cabeça, recupera a verticalidade. Pois nesse dia tive de tirar os sapatos para entrar em casa tão carregados estavam de merda de cão, que quis a natureza não é cheiro que se cheire. Tive de ceder e voltar a curvar-me perante a realidade canina. Saltitando por entre os raros espaços ainda limpos vou evitando pisar a abundante trampa. Nem tudo se perde, à força de tanto fixar o chão estou a ficar especialista em calçada portuguesa.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

Porto a Lisboa num voo de duas horas
Já estava na fila de entrada para o avião quando liguei para a minha cara metade, para me ir buscar ao aeroporto, o voo não duraria mais de vinte minutos, com mais alguns minutos de espera, no máximo em meia hora estaria em Lisboa. Vinte e poucos minutos depois de levantarmos do Porto o avião da Portugália estáva sobre Lisboa. Mas ao contrário do que era habitual, o avião não se fez à pista para aterrar, ganhou altura e afastámo-nos do perímetro de aeroporto. Pensei, lá está a Portela igual a Heathrow e a JFK, dizem que o aeroporto ainda aguenta mais uns bons anos e afinal está saturado. Infelizmente essa não era a razão de continuarmos no ar. O nervosismo das meninas hospedeiras contrastava com aquela calma mecânica do chá, café ou laranjada que normalmente ostentam e esse foi o primeiro sinal de que alguma coisa ia mal. Sobre a primeira passagem pelo aeroporto decorreu uma boa meia hora e nem o comandante informava o que se passava. O meu parceiro do lado passou a falar em catadupa acrescentando pormenores ao que já me tinha dito. Ia para Angola levava uns presuntos e uns tintos para comemorar com Savimbi, de quem era amigo e confidente, a vitória das primeiras eleições livres. E se não ganhasse a Unita? Impossível, mas se acontecer Angola é dividida a meio, disse-me ali, quando o pânico já se apoderava dos passageiros (premonitório, veio a acontecer!). E o tempo passava e o avião afastava-se sobrevoando já o mar. Um desvio de algum pirata, pensei, desta vez calhou-me a mim. Até que o Comandante se decidiu falar e disse, estamos com um problema no trem de aterragem, vamos afastar-nos de terra, deitar o combustível ao mar e aterrar de bojo, no aeroporto está tudo preparado, vai ser criada na pista uma camada de espuma, apelamos à calma, iremos contudo fazer as ultimas tentativas para pôr o trem de aterragem a funcionar. Aí senti medo, medo controlado, mas medo. Num segundo revi o passado, o presente e o futuro, os seguros, a família ficava bem, acalmei-me. Olhei em volta, vi pânico estampado na cara de muitos conhecidos cidadãos. Era quinta-feira e muitos administradores de empresas com sede no Porto voltavam a Lisboa. Voltei aos meus inventários, estava com uma tranquilidade inabalável, mas gelado. O avião subiu a pique, fez uma manobra estranha, picou direito a terra, aqui mar, ouviu-se um estrondo. É desta, pensei no meio do padre nosso que fui improvisando. Foi quando o Comandante falou de novo, não posso dar garantias de que tudo funcione como gostaria o trem de aterragem acabou de armar vamos tentar uma aterragem normal. Os minutos que se seguiram foram eternidades, ansiedade e medo. O avião tocou o chão e não aconteceu nada. De súbito irrompeu uma genuína salva de palmas e vi choros convulsivos. O Comandante foi lacónico no pedido de desculpas, da Companhia aérea apenas o usual e ridículo, foi um prazer tê-los a bordo, agradecemos a vossa preferência e esperamos em breve voltar a vê-los a bordo dos nossos aviões. As pessoas que esperavam nas chegadas ainda não sabiam porque razão um voo de minutos se transformou num inferno de duas horas. E ainda bem que não sabiam.

domingo, 4 de janeiro de 2004

Recentrando objectivos

Têm sido apontados defeitos eventualmente graves a este blog: Falta de uma linha temática, é muito pessoal e não ensina nada a ninguém. Todas estas questões são verdade. Mas os objectivos que prossegue são desde início diversos. É uma forma de estar em contacto com algumas pessoas, de enviar mensagens encriptadas a outras e, acima de tudo, tem um fim puramente lúdico. Se as expectativas têm sido frustadas, a culpa é do excelentíssimo público.

Monstro na quietude de uma tarde de Agosto

Loch Ness, Agosto de 2002

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