quinta-feira, 28 de setembro de 2006
Pronunciar o nome de Colleen McCullough é mil vezes mais difícil do que ler os seus livros. A escrita é aberta sem perder rigor; os factos são apresentados como filigrana; e a trama é urdida numa teia envolvente, quase viciante. O resultado é surpreendente: os livros são desusadamente volumosos contudo, devoram-se num ápice.
Um bocado da história da Austrália é romanceada de forma soberba no livro “O Toque de Midas”. Lê-se com prazer.
É um problema económico.
É um problema demográfico.
É um problema de repartição.
É um problema de justiça relativa.
É um problema político.
É um problema.
(após a leitura deste texto, mande-o imediatamente a 3 amigos e talvez seja contemplado com uma reforma aos 85 anos).
Não temos objectivos de carreira política no curto prazo, repetia de cinco em cinco minutos o porta-voz do Compromisso Portugal numa entrevista, ontem ao fim da tarde.
Uma das vezes só disse “não temos objectivos de carreira política” porque entretanto a entrevistadora o interrompeu. Mas assim que voltou a ter a palavra lá concluiu: “no curto prazo”. Quem fala em barco... quer embarcar.
“No longo prazo estamos todos mortos” dizia Keynes, que por acaso parece ter pouco a ver com o Liberalismo Esconómico.
segunda-feira, 25 de setembro de 2006
Fumo e imagem
Nem queria acreditar. De repente estamos no Outono.
Evidências de equinócio? Não. No mesmo sítio de sempre, todos os anos por esta altura, lá está ela, a mulher das castanhas. Última réstia de um passado que ainda vai estando presente. O carrinho de sempre e o mesmo assador de barro que nunca entendi porque não rebenta. E o fumo. Especial, típico, de uma cor inconfundível. Fumo acinzentado e uniforme que é o melhor brand para produto afinal tão pobre. Mas vende.
Onde há fumo acinzentado há castanhas.
sexta-feira, 22 de setembro de 2006
Comprimidos (para) Portugal
Uma mesa redonda de estalo ontem na SIC, só estrelas. Os pequenos discípulos de Friedman debitavam ideias.
"Tornar as leis laborais mais flexíveis;
Na educação é preciso que a taxa de abandono escolar baixe;
A Justiça tem de ser mais célere;
Há que despedir os 200 mil funcionários públicos redundantes;
Baixar o IRC para metade em 5 anos;
Plafonar os descontos para a Segurança Social: o que exceder um valor de n ordenados mínimos será encaminhado para fundos de capitalização."
O ar prazenteiro como falavam dá para arrepiar. Nem calendários nem roadmaps. Números só. Ignorando que as pessoas têm capacidade para se indignar.
quarta-feira, 20 de setembro de 2006
ou recordando o Senhor de La Palisse.
Por seu lado, o presidente da Vodafone defendeu que o novo modelo económico português tem de assentar num cidadão qualificado, num Estado forte, num enquadramento transparente e em empresas competitivas."
domingo, 17 de setembro de 2006
Jornais
Está muito interessante a disputa entre o Sol e o Expresso. O acto mecânico de comprar o Expresso ao sábado vai sofrer alterações. Pela amostra, a implementação da nova rotina nem vai requerer especial formação em gestão da mudança.
O Expresso desarrumou a paginação e tem muitas curtas, notícias em que só mostra o joelho. O Sol aproveitou a desarrumação do Expresso, “herdou-lhe” o modelo e lá tem o AJS na terceira página com as análises 360: acerta sempre. Esta semana ganhou o Sol.
Fraqueza de ambos: o estilo de noticiar. Ambos adoptaram o estilo “blog”. Na generalidade não há profundidade na notícia nem apreciações do jornalista. Sinal dos tempos, pouca gente hoje tem pachorra para grandes leituras. O ideal, vivamente pretendido, é a descoberta de um chip que durante o sono vá fazendo um upload dos saberes que a cada um interessa.
Bom, nos tempos mais próximos vai cumprir-se o ditado: não há sábado sem Sol.
Flagrantes (3)
Em Setembro uma empresa pública contratualiza com o Ministro da tutela os objectivos para um ano. Saudamos a coragem dos gestores e o rigor do governo; desta é que vai ser. É a primeira vez que isto acontece no país e não se conhecem muitos outros casos lá fora. Relida a notícia com mais cuidado vê-se que estamos a falar de objectivos não para o próximo ano, como o próprio governo está a fazer com o Orçamento Geral do Estado, mas objectivos para este ano. Ora bolas, qualquer gestor de normal diligência sabe, com razoável precisão, o que se vai passar até final, quando estão decorridos ¾ do exercício. Esta avaliação parece ser do tipo apito dourado, sem prolongamento.
Compromisso é compromisso. Quem se compromete raras vezes vem a terreiro fazer disso alarde. Faz e pronto, não anda a fazer queixinhas dos que não fazem o que sugerem. Não se conhecem os efeitos práticos do que comprometidos se propuseram fazer desde o último evento. Ou antes o que se conhece deixa a desejar. Alguns dos altamente comprometidos fizeram bons negócios com vendas de importantes núcleos produtivos a compradores estrangeiro. Talvez o próximo evento não seja já no Convento do Beato mas no Escorial, Palácio que foi afinal o centro político do império de Filipe II, I de Portugal, por uma questão de optimizar a utilização das infra-estruturas (comuns).
terça-feira, 12 de setembro de 2006
Dizia ela: “não dormi nada esta noite. De manhã vai haver reunião de Administração, estou nervosíssima.”
Ele punha água na fervura: “por que razão estás assim? Vais fazer alguma apresentação? Não sei como estarias se tivesses cinco clientes para massagens só esta manhã”.
Ela sem controlar a irritação: “sabes bem que não, mas se me engano na sala ou solto a porta do elevador antes de tempo e entalo alguém ou troco os nomes. Até as pernas me tremem.”
O metro estancou e saíram na confusão. O par distinguia-se na turba. Ele, cem quilos de músculos, baixou a cabeça para conseguir sair, tshirt de mangas à cava, os braços tomados por exuberantes e policromáticas lianas tatuadas. Ela, o oposto. Ar frágil, olheiras cavadas, cabelo corrido, castanho amarelado e baço, vestia uma farda naíve de uma empresa de segurança, enfeitada com emblemas garridos nas golas e nas mangas. A farda XXL, dava para acomodar duas como ela, para quem o tamanho S seria enorme. O Zola teria hoje inesgotáveis fontes de inspiração para escrever.
sexta-feira, 8 de setembro de 2006
Houve uma multinacional que esteve para se chamar Monday.
Estranho nome. Cá para mim foi sempre treta, apesar do merchandising produzido e da acção psicológica desenvolvida, esta feita até com o nome.
Acontece que é à segunda-feira que mais gente vem aqui, a este blog. Por saudades ou por preguiça de começar a encarar a dura realidade do chargeable time. A maioria dos leitores já não sabe o que isso é, penso.
Boa semana!
Fazia-se um teste numa conhecida organização de serviços de consultoria para aferir da disponibilidade de tempo dos colaboradores. Perguntava-se a dois ou três sobre a disponibilidade para ir um ou dois dias fazer um trabalho em Vila Franca de Xira. A notícia desta necessidade corria depressa. A resposta era invariavelmente que não tinham qualquer hipótese, estavam com o projecto actual no ponto mais complicado, tão cedo não poderiam desviar a atenção, o cliente não iria gostar. Esta argumentação era não só dos dois ou três a quem tinha sido feita a pergunta, mas da generalidade dos colaboradores, sobretudo dos potenciais ilegíveis.
Um dia ou dois depois punha-se a correr nos bastidores que eram precisos dois colaboradores indiferenciados em Tóquio, por um período de dois a três meses. E o milagre acontecia. Espontaneamante chegavam os voluntários: que tempo é uma questão de a pessoa se organizar; que as tarefas actuais, planeadas para um mês, se conseguiam terminar numa semana; que o que ele estava a fazer podia ser feito por um júnior; que o cliente até veria com bons olhos uma mudança na equipa. Enfim que o projecto de Tóquio, que ninguém sabia o que era, tinha um enorme interesse.
De facto o bom senso funciona ao contrário do tempo. Para a falta de bom senso as soluções não são tão elásticas.
quarta-feira, 6 de setembro de 2006
- Achas que o barco ainda lá estará?
- Tenho essa esperança, mas não nos podemos descuidar. Sugiro que aceleres o passo, antes que desapareça.
Puxa! até barcos já roubam hoje em dia, pensei.
Agarrados um ao outro saíram a correr e venceram num ápice a distância entre o comboio que parou em Belém e o pequeno cais dos barcos para a Trafaria.
terça-feira, 5 de setembro de 2006
A vontade de deixar de blogar aqui é muita. Só a assiduidade de alguns clientes, de longe e de perto, me obriga a permanecer. Mas tenho de partilhar o meu desencanto por não constar dos tops de audiência. Dos 23 vizinhos do meu condomínio aberto, nenhum deles é cliente. Das duzentas e muitas pessoas da HAL, poucas passam por cá. Das cerca de 100 pessoas de família, nicles, a maioria nem sabe o que é isso da intermete. Das pessoas chegadas por razões profissionais não há rasto, deixaram de vir, porque é conversa da treta, não prioritária para a conversa de elevador matinal.
Sinto-me como daquela vez, há anos, em que fiz uma conferência na Universidade de Évora. Quase 200 quilómetros feitos de madrugada para estar lá às oito. Montar cabos, computador, projectores, ensaio geral atenção um dois experiência, ir à casa de banho para baixar os níveis de adrenalina. Tudo em ordem. Mas à hora do evento só havia um assistente na plateia. Rigoroso com horários iniciei a prelecção “impactos do euro nos sistemas de informação”. Acabada a exposição o assistente, único, bateu palmas efusivamente. Já de material arrumado, cabos enrolados, projector acondicionado, computador na bolsa, dirigi-me ao solitário interessado nos temas do euro para os agradecimentos e despedida . Perguntou: “não está a pensar em ir agora embora pois não? é que eu sou o próximo orador!”.
domingo, 3 de setembro de 2006
Lazer (1)
Um esforçado trabalhador dizia a um fulano que tinha por hábito passar os dias descansando debaixo de um coqueiro, sobrevivendo de expedientes e farrando noite fora:
- Olha lá! Tu devias fazer pela vida!
- Eu? O quê?
- Devias ir para a escola aprender!
- Eu aprender, p’ra quê?
- Aprender para teres um curso e arranjares um emprego!
- Eu? Emprego p’ ra quê?
- Emprego para ganhares dinheiro!
- É! Ganhar dinheiro p’ra quê?
- Para teres uma mulher, filhos, envelhecer com qualidade!
- Hii! O que é isso de envelhecer com qualidade?
- É poderes descansar quando te apetece, sem teres chatices, curtir a vida!
- Aca! Tanto trabalho e canseira para conseguir no final aquilo que já tenho agora?
Lazer (2)
Com as cidades vazias vive-se melhor.
O trânsito é mais fluido. As repartições públicas têm menos funcionários que, sem se atropelarem uns aos outros, funcionam. Os cinemas semi ocupados são locais de conforto para cinéfilos. Os restaurantes que estoicamente se mantêm a alimentar quem prefere o sequeiro, estão mais atentos aos pouco comensais. O ar condicionado, regulado a preceito, propicia merecidas sestas após o almoço.
Quem prefere outras alternativas, tem-nas. No campo ou nas praias, beneficiando do sol, da sombra, dos odores e horrores, mordomias que a natureza propicia a custo zero, por enquanto.
As cidades no Verão são o máximo, numa escala de qualidade de vida. Se adicionarmos a isto aspectos tão importantes como a taxa de desemprego a baixar, a economia a crescer, a contestação social nula, os discursos doseados, e outros indicadores com igual bom desempenho, temos de concluir que a nossa vocação, como povo, está em passarmos a viver sempre em férias.