domingo, 26 de novembro de 2006
Teatro de Marvila.
Personagens: Promotor, CML, TGV
Sobe o pano.
Cena 1
O cenário é uma antiga fábrica decrépita em Marvila. A luz incide forte sobre o Promotor que toma conta da cena. A CML está na transição da luz. O TGV está na penumbra, mas vai dando passos ao encontro dos dois primeiros.
TGV (com voz sumida mas perceptível): esperem aí, não façam nada sem eu falar convosco!
CML (aproximando-se do Promotor): temos de nos aviar enquanto é tempo, o gajo vem aí.
Promotor: Hum! Está aqui o esboço do que quero. Hum! Ainda cheira a sabão, está bem lavado e se ensaboarmos bem a via o TGV não sai do mesmo sítio e não chega tempo.
Cena 2
A CML e o Promotor olham fixamente para um desenho de um por um metro, com quadrados alinhados atravessados a toda a largura por duas linhas paralelas. A Luz incide agora sobre os dois, dando ênfase ao desenho. O TGV sai da penumbra e já se vê com mais nitidez.
CML: A linha que atravessa o loteamento não ajuda nada. Temos de repensar isto.
Promotor (arqueando as sobrancelhas chapadas na testa em quilha): Assine e já, hum! Os compromissos são para cumprir, hum. O TGV que procure outros caminhos.
TGV: Esperem aí, não façam nada sem eu falar convosco! (voz é clara e as vestes são de linho transparente, deixando adivinhar um corpo de formas pouco definidas).
A cena fica às escuras de repente.
CML (só voz): Ainda não chegou aqui e a energia já não chega para o TGV. Que burrice trazerem-no para aqui. Que procure outros caminhos.
Houve-se o tilintar.
Promotor (só voz): está aí tudo o que tínhamos falado e mais umas barras de sabão que encontrámos por aí. É uma lembrança de valor estimativo.
CML (só voz, dirigindo-se ao Promotor): Agora o TGV se quizer passar que lhe pague a si. E não nos acusem de má vontade, o ganho da CML é uma barra de sabão.
Cai o pano a toda a pressa.
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Ali estavam os dois a jantar no David da Buraca, naquela segunda-feira de Novembro. Depois das versões iniciais que reuniram mais de cinquenta entusiastas e dos discursos pós-prandiais que garantiam que aquelas celebrações eram para manter até ao confins do tempo, o grupo foi faltando às convocatórias e eles eram o que restava dessas juras de fidelidade, dessas garantias de camaradagem, regadas com lágrimas de comoção à flor do vinho. Os dois nem eram chegados e como o serviço era enervantemente lento, fazia-lhes crescer a angústia à medida que o relógio avançava. Ambos se sentiam ludibriados pelas faltas de comparência. Já tinham gasto todas as palavras em conversas de circunstância. A chuva, tema maior da conversa, caia em bátega forte. Despediram-se ainda dentro do David, a chuva não parava. Voltaram num ápice. Do parque de estacionamento agora lagoa, tinham ido alguns carros na enxurrada. Os deles foram. Olharam-se sem qualquer simpatia um pelo outro.
domingo, 19 de novembro de 2006
1 euro para o arrumador que surge não se sabe de onde porque negar pode custar uns pneus ou uma pintura. Depois há os parquímetros que passaram a acumular com o esforçado andrajoso. À porta do centro comercial está a ceguinha que, justiça seja feita merece uma moeda de 50 cêntimos, no mínimo, para ajuda do telemóvel que não pára de usar no contacto com o mundo dos que têm olho e para além disso veste smart, não é lamechas. Lá dentro, perfilados os escuteiros vendem o calendário para 2007, 1 euro para ajudar ao Jamboree da Páscoa; são simpáticos e patuscos. À coca já estão os Bombeiros com aquelas caixas nem fechadas nem abertas, falam dos incêndios e das cheias, argumentos irrefutáveis no sentido de mais 1 euro que se vai. 1 de Novembro, a “tia” que um dia destes estará na Venda de Natal da Paróquia aparece na esquina do corredor com a caixinha da Liga; da bondade deste peditório não duvido, saem 5 Euros. Vá lá que desta vez não estava a freira das missões a quem não consigo fugir. Também não vi os miúdos da Escola Arco Íris que começam cedo a preparar a viagem de férias. E que será feito do rapaz da Cais e da Romena com o miúdo ao colo, já grandote, que finge dormir no momento da lamúria? Desta vez não foi mau, foram 9 Euros, só. A coisa está a melhorar, o PIB está a crescer.
domingo, 12 de novembro de 2006
Será que não se entende que há entidades que funcionando fazem outras funcionar? Os transportes são o motor da distribuição. As comunicações, uma hora sem dar de si são como que um apagão na economia. Uma greve de gasolineiras pode paralisar um país ou mais do que isso; se a greve for em Espanha os TIRs não chegam cá. E assim por diante. Uma falha num dos nós da cadeia, do planeamento da produção ao consumo, tem sempre consequências mais gravosas do que se pensa. Se a falha for no sistema financeiro as coisas podem ganhar uma dimensão muito maior: a economia pode gripar. De repente há aspectos que parecem concorrer para testar esta quase tautologia. Não há garantias de que depois seja possível repor a cadeia a funcionar.