domingo, 27 de julho de 2014
Tardes de domingo outrora
Há muitos muitos anos atrás, antes da televisão em Portugal, e portanto muito antes da internet e de outras maravilhas que vieram alterar a forma slow live de andar por cá (atenção que os gatos lançados ao ar, caiem sempre de pé), fascinava-me o movimento dos jardins de Lisboa nas tardes de domingo; sim porque ao sábado trabalhava-se. Nesse tempo, nos anos 60 do século passado, os jardins enchiam-se de famílias que iam desfrutar nem tanto da natureza, mas mais do espectáculo que, à borla, lhes era oferecido. No Campo Grande aparecia por esses dias um tocador de concertina, num dos largos do jardim, a acompanhar uma volumosa cantadeira que cantava comovida, em verso, os crimes e outros acontecimentos fortes que tocavam a alma da populaça; no final vendia uma folha de papel, de qualidade fraca, com o seu repertório ("Numa praia de banhos atraentes// contente se banhava um garotinho// veio uma onda das potentes// que o leva num definitivo remoinho// ...). Os vendedores de balões não tinham mãos a medir, balões de curtíssima existência que rebentavam ou desapareciam no ar. Havia carrinhos com tremoços e pevides, a medida era um pequeno copo de vidro, e o embrulho era feito em papel de jornal. Tardes fruídas e que eram o deleite de toda a família. Os mais endinheirados conseguiam aceder a um esquimó fresquinho ou a uma laranjina C ou canada dry refrescadas em baldes com gelo, de higiene duvidosa.
Mas o que mais concitava o interesse dos passeantes eram os vendedores da banha da cobra. Autênticos génios da comunicação faziam-se acompanhar de um escadote, uma mala de cartão (género Linda de Suza), uma varinha e outros pequenos objectos. Para conseguir audiência o vendedor batia com a varinha na mala de molde a fazer barulho e simulava que tinha lá dentro uma cobra que fazia o que ele mandava. "Oh boa, já vais mostrar a este senhores que sabes cantar; oh boa, vais dizer a estes senhores que sabes ler!". E o pagode ia-se juntando. Quando a roda engrossava o vendedor subia uns degraus do escadote, punha a mala no topo, abria a mala não sem que antes a tivesse fechado um ror de vezes, mais umas batidelas para assustar e os circunstantes alargavam a roda com receio. Ele, "não tenham medo que afinal ela hoje não veio", nunca vinha. E tinha início a venda, autêntico teatro ao ao livre. Eram invariavelmente uns pós que dizia faziam bem a quem acordava sem vontade de ir para o trabalho; que dava força a quem se sentia cansado, que diluído em água podia ser aplicado no cabelo para evitar a queda, que uma colher de café do pó depois das refeições ajudava a digestão. Dores de estômago, intestino, fígado e rins, tinham ali um remédio infalível, era só experimentar. Dava para tudo ou quase tudo aquele milagroso pó. O preço era normalmente truculento, leva dois e ofereço-lhe o terceiro. Em regra um colaborador misturado no povo, que aparecia como se chegado à toa, "comprava" com entusiasmo uns quantos pacotes, porque nesse caso havia bônus de quantidade. Despoletava o impulso comprador validando o discurso do charlatão que então descia do escadote, depunha no chão a mala pejada de saquitos e era ver a gente a atropelar-se para obter o pó milagroso de banha da cobra. Aí o colaborador tardio alargava a sua ajuda, recebendo o dinheiro e entregando os sacos da cura.
Mas o que mais concitava o interesse dos passeantes eram os vendedores da banha da cobra. Autênticos génios da comunicação faziam-se acompanhar de um escadote, uma mala de cartão (género Linda de Suza), uma varinha e outros pequenos objectos. Para conseguir audiência o vendedor batia com a varinha na mala de molde a fazer barulho e simulava que tinha lá dentro uma cobra que fazia o que ele mandava. "Oh boa, já vais mostrar a este senhores que sabes cantar; oh boa, vais dizer a estes senhores que sabes ler!". E o pagode ia-se juntando. Quando a roda engrossava o vendedor subia uns degraus do escadote, punha a mala no topo, abria a mala não sem que antes a tivesse fechado um ror de vezes, mais umas batidelas para assustar e os circunstantes alargavam a roda com receio. Ele, "não tenham medo que afinal ela hoje não veio", nunca vinha. E tinha início a venda, autêntico teatro ao ao livre. Eram invariavelmente uns pós que dizia faziam bem a quem acordava sem vontade de ir para o trabalho; que dava força a quem se sentia cansado, que diluído em água podia ser aplicado no cabelo para evitar a queda, que uma colher de café do pó depois das refeições ajudava a digestão. Dores de estômago, intestino, fígado e rins, tinham ali um remédio infalível, era só experimentar. Dava para tudo ou quase tudo aquele milagroso pó. O preço era normalmente truculento, leva dois e ofereço-lhe o terceiro. Em regra um colaborador misturado no povo, que aparecia como se chegado à toa, "comprava" com entusiasmo uns quantos pacotes, porque nesse caso havia bônus de quantidade. Despoletava o impulso comprador validando o discurso do charlatão que então descia do escadote, depunha no chão a mala pejada de saquitos e era ver a gente a atropelar-se para obter o pó milagroso de banha da cobra. Aí o colaborador tardio alargava a sua ajuda, recebendo o dinheiro e entregando os sacos da cura.
A banha da cobra e a banha vendida hoje em dia por inúmeras empresas não têm muito em comum. É que a banha da cobra podia não ser nem banha nem de cobra mas existia, podia ver-se e tocar-se. A banha virtual de hoje, enfim let's go, ou melhor, ongoing.
sábado, 19 de julho de 2014
... Porque hoje é sábado
Agora que o tempo veio aclarar algumas coisas que estavam trancadas no escuro da arrecadação, mais e mais me quedo pelo silêncio no refúgio que afortunadamente sem fortuna me calhou. O dia de Verão hoje é aparentemente triste. Chuva miúda, compensadora dos de quarenta graus que são frequentes neste pós solstício e que na capital com menos uns graus tem dado a volta ao miolo a pensadores e possidentes. Chuvinha simpática que refresca a alta temperatura e o louco frenesim das notícias, entrevistas, declarações, cenários, silêncios e toda a panóplia de instrumentos que antecipam muitas vezes borrascas de efeitos imprevisíveis. Uma verdadeira silly season. Além disso hoje é sábado. Ou, diria Vinicius, porque hoje é sábado.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Contágio
Saí
para um lugar com pouca rede e sem jornais;
a situação estava ao rubro; no regresso verifico que está pior. Os primos
escrevem mails aos colaboradores esquecendo que quem fala em barco quer embarcar.
Agora convinha o silêncio, porque qualquer coisa que se diga é empolada pela
imprensa e “os mercados” multiplicam em actos as notícias que vão saindo. O
contágio ultrapassa nesta altura as fronteiras do país, todas ou quase todas as
bolsas da Europa fecharam a cair. Estes senhores não percebem que eram até há
dias vistos como uma garantia nacional de rigor e de boa gestão e que o nome de
família era um activo que ultrapassava a dimensão do país. Agora que a coisa
estava menos mal, pum!, mais comunicados internos. Como se nos dias de hoje
fosse possível haver coisas dessas sem se saberem cá fora. Enfim, uma gestão desastrosa da comunicação.
Um barco a precisar urgentemente de timoneiro e de pôr o pequeno arrais borda
fora!
sábado, 5 de julho de 2014
O que foi a Costa da Caparica
Uma praia hoje, em Portugal, num sítio que não digo, como era a da Costa da Caparica antes do desastre em que foi transformada.
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Quase náufragos
Andámos os dois naquele colchão d’ar, lembras-te?
Era Agosto e Algarve antes da avalanche
Não havia ainda taxas de ocupação
Daí o nosso abandono a nossa descontração.
Veio aquela corrente inesperada da Ria
Que nos tirou da vista a terra
E já nenhum de nós ria
Pudera, que nadar nem tu nem eu.
E lá apareceu aquele barquito salvador
Que levou tempo e tempo e tempo a chegar
Um horror
E ficou
ainda mais longe a vontade de nadar.
Valha a verdade
Que coisas destas acontecem aos incautos
E fomo-lo. Talvez mais vezes, para nosso mal
Como é timbre do rectângulo. Portugal.