sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
Interlúdio (54)
Ler e outras confissões
Na juventude passei por cima da etapa da leitura. Fui forçado a ir pelo cinema e pelo teatro; ver, claro. Por uma razão trivial, não tinha nem dinheiro para livros nem acesso a bibliotecas. Claro que também não tinha dinheiro para o cinema ou para o teatro. Acontecia afortunadamente que à época havia em Lisboa grandes salas de espectáculos que, aos sábados à tarde, franqueavam a entrada, em número limitado, a alunos da minha escola, desde que fardados. Mais tarde, depois de concluído o curso comercial, que tinha por objectivo preparar merceeiros de nível razoável, surgiu-me no percurso escolar a obrigatoriedade de conhecer obras, escritores e épocas da literatura. Nessa altura ainda que o dia ultrapassasse as vinte e quatro horas, eu não conseguiria abraçar num ano lectivo o que o programa exigia. O resultado final foi humilhante num exame que ainda hoje recordo e me acorda. Fiasco deprimente que resolvi in extremis, com conversa lateral que preencheu os 20 minutos da oral. Eça de Queirós li já em adulto. Camões li na tropa. E Mário Vargas Llosa, li à sucapa, em castelhano quando um amigo mo fez chegar numas férias da guerra. Falo de literatura e não do jornal A Bola que esse lia porque os jornalistas eram de boa pena; dos clubes nada recordo. Quando tardiamente tive acesso aos livros, os clássicos não foram a minha prioridade. À uma porque não tinha bagagem para os ler e depois porque as edições eram numa encadernação rígida, incompatível com o bolso ou com o resto da papelada que me perseguia. Claro que li Camões e Eça e Gil Vicente e Bernardim Ribeiro e Júlio Dinis - um chato -, li Balzac todo. Coisa estranha mas Balzac era o que tinha à mão por um familiar ser colecionador da obra.
Não sou um leitor compulsivo. Sou caótico nas escolhas. Não sigo tendências. Confesso que alguns dos novos me causam embaraço por não conseguir entender se escrevem ou se desenham.